QUEREMOS SABER
TEORIAS DA
CONS
(PIRAÇÃO)
Por: Patricia moreira
Autor Desconhecido
Eu acho muito curiosa a ideia de teorias da conspiração, pois a maioria delas não me dão a impressão que têm alguma finalidade, algo que realmente nos seja útil ou que acrescente um conhecimento valioso, no sentido de apresentar um progresso, me parece ser sempre uma história furada que pode ser mais uma distração do que realmente apresentar uma história real ou um conhecimento revolucionário.
Será que Michael Jackson fingiria a sua morte para fugir da mídia e da fama? É tão fácil assim? O site La Parola reúne as cinquenta teorias da conspiração mais populares e pasmem, uma delas é de que a prática do Yoga é um ritual satânico! Fico me perguntando o que faz as pessoas acreditarem em teorias tão absurdas, será a falta de informação?
Acredito que o acesso a informação modifica a vida das pessoas. A possibilidade de ver com os seus próprios olhos o que acontece no mundo nos ajuda a dar outro sentido aos acontecimentos em nossa vida. Nas últimas décadas o acesso a informação foi sendo e está sendo democratizado, os países têm se esforçado para garantir que mais pessoas frequentem a escola e se alfabetizem, podendo então julgar as informações por si só. Com a alfabetização vem a possibilidade de acesso ao mundo de forma mais completa.
Outro fato que democratizou o acesso a informação foi a criação da internet, não há dúvidas que a internet contribuiu e muito com a expansão das possibilidades de conhecimento. No entanto, esse mesmo fato lota nossa capacidade de raciocínio com um mar de informações, das quais não podemos distinguir a verdade do clikbait (notícias com chamadas mirabolantes e geralmente falsas).
Nesse mar de informação há jogos de poder que não podemos sequer compreender, o que dá a impressão de que a internet é um espaço praticamente sem lei, há de tudo e nem tudo pode ser rastreado. O que resulta no que se chama de deepweb, um lugar que somente pessoas com muito conhecimento de engenharia da computação podem navegar. Há de tudo, dos crimes mais bárbaros a compartilhamento gratuito de artigos científicos e livros caríssimos.
O espaço da internet se tornou um terreno fértil para as teorias da conspiração, nesse sentido talvez não é a falta de informação que faz com que pessoas acreditem nelas, mas ao contrário, o acesso desenfreado e sem qualidade a ela.
No momento atual, tais teorias são ainda mais perigosas, vivemos uma pandemia, e as pessoas acreditam que a China inventou um vírus em laboratório só para vender a cura da doença causada pelo vírus. Acreditam que o isolamento social é uma forma do Partido dos Trabalhadores arruinar com o governo Bolsonaro e que a Rede Globo está ajudando. Por outro lado, não acreditam nas medidas preventivas e isso nos tem levado a trilhar um caminho muito doloroso, muitas mortes, muitas pessoas infectadas e sem saber as reais consequências da infecção.
Tudo isso devido a democratização acelerada da informação, as pessoas leem e compartilham as notícias que chegam até elas sem a possibilidade de se questionar se tal informação é verídica, se ela corrobora com algum pensamento da pessoa já é motivo para compartilhar.
O fenômeno que vemos hoje é o ataque a qualquer meio de comunicação, principalmente no Brasil e principalmente os veículos jornalísticos, ou seja, aqueles que prezam por informações verdadeiras. Vemos um aumento desenfreado de correntes com informações falsas, criadas para que as pessoas acreditem que quem escreveu essa informação é um cidadão comum que viveu e sabe do que fala. Percebe-se então que as pessoas estão dando mais valor para aquilo que um cidadão fala do que os veículos de comunicação e a ciência falam. Há uma sensação de que os “cidadãos de bem” estão unidos a favor de sua nação, quando na verdade estão sendo manipulados a acreditarem em informações absurdas, mas que de alguma forma acham ressonância em seus pensamentos.
Mas o que será que esse fenômeno diz sobre nossa saúde mental? Será que a escolha por acreditar em correntes do WhatsApp está relacionada com alguma fragilidade emocional? Me parece que quanto mais complexa uma situação possa ser um mecanismo psicológico nos faz negar essa explicação, produzindo outra, mais fácil de compreender e que não exige tanto esforço mental.
O psicólogo norte-americano Steven Taylor respondeu a essas perguntas no livro “The Psychology of Pandemics. Preparing for the Next Global Outbreak of Infectious Disease” curiosamente lançado um pouco antes do surto do novo coronavírus na China, esses fatos não estão relacionados, porém somente por eu ter lançado este dado possivelmente há pessoas que irão criar uma teoria da conspiração como se Steven soubesse da pandemia e queria lucrar com a venda de livros. Na verdade, não só ele, mas como profissionais da saúde esperavam por isso, porém ninguém sabia que seria tão rápido, como afirmou Taylor em uma entrevista concedida ao site Pública em março deste ano. Não é difícil prever como uma sociedade irá se comportar analisando dados, corrigindo, não é impossível, pois difícil com certeza é, como todo o trabalho científico.
Vinicius Valério Pereira em uma postagem na Revista Aldeia comenta sobre um capítulo do livro de Steven que trata sobre as teorias da conspiração, no texto Vinícius traz a reflexão que me fez escrever esse texto, por que as pessoas acreditam em teorias da conspiração? Há alguns motivos, como a preocupação com saúde e a falta de capacidade de analisar e interpretar, o que me leva a pensar como as pessoas estão realmente sendo “massa de manobra” dos criadores de tais teorias. Vinicius afirma que pessoas com personalidade narcísica tem uma tendência a acreditar nessas teorias, é exatamente esse ponto que traz a reflexão sobre a fragilidade emocional e a crença em teorias absurdas.
Fico imaginando uma forma de combater esse comportamento, como as pessoas podem se proteger de golpes relacionados a teorias da conspiração? Por um bom tempo da minha vida acreditei que havia sociedades secretas relacionadas com as indústrias para fazer o mal. Era como se eu visse uma força negativa que devíamos lutar contra e não era possível acreditar no que os jornais falavam, pois os mesmos estão envoltos no sistema. Como se tudo fosse uma grande farsa, como no filme O Show de Truman. Eu acreditava que haviam pessoas muito maldosas e que estão todas conspirando para enganar os outros. De fato, existem pessoas muito poderosas no mundo, e são poucas, concentram muita riqueza e exploram muito as pessoas, porém elas são pessoas comuns, como qualquer ser humano, o poder é uma condição humana que produz ações perversas, como representou o filme Parasita.
Esse meu pensamento estava relacionado com uma certa tendência a uma personalidade narcisista, pois como relata o site Oficina de Psicologia, pessoas com uma personalidade narcísica costumam duvidar de tudo e todos, pois nada é tão bom o suficiente quanto a sua própria concepção de mundo. Apesar de, a primeira vista, as pessoas narcisistas apresentarem um comportamento de não se importar com os outros, há uma fragilidade, pois essas pessoas possuem uma grande dependência da avaliação do outro, é uma busca incessante por aprovação. Esse comportamento leva a pessoa a acreditar em tudo que traz uma ar diferente, que se destaca, qualquer informação que pareça conceder a possibilidade de ser reconhecido, seja pela beleza ou pelo poder.
Eu só consegui desconstruir esse pensamento quando comecei a me questionar, me aprofundar em algumas certezas sobre a humanidade e sobre mim mesma. Crenças são um santuário poderoso de energia, porém crença sem consciência produz o que chamamos de “massa de manobra”, pessoas que acreditam em tudo e são facilmente moldadas para acreditarem na teoria mais favorável, geralmente aquela que mantém o poder na mão de poucos e a ignorância na cabeça de muitos. Todos nós já fomos ou somos massa de manobra, questione-se sobre as suas certezas e poderá perceber que muitas delas estão apoiadas em um vazio, uma informação falsa, não têm sustentação.
As teorias da conspiração, em um primeiro momento, nos fazem acreditar que estão nos mostrando um lado obscuro, não revelado, sobre um determinado fato. Porém o que de fato fazem é nos colocar um cabresto, fazendo com que olhemos somente para um lado do fato.
Carlene Maria Dias Tenório em seu artigo sobre psicopatologias na perspectiva gestáltica comenta sobre o transtorno de personalidade narcísica, segundo a autora esse transtorno é considerado neurótico e se estabelece quando na criação a criança recebe pouca instrução dos cuidadores, pais considerados permissivos constroem para seus filhos um ambiente pouco seguro, nesse sentido a criança pode sentir que é demasiadamente especial, pois recebe tudo aquilo que deseja, o que a afasta da realidade. A figura do outro é estabelecida como maldosa e traiçoeira, o que faz com que a pessoa se feche, barrando o contato com o mundo externo e construindo assim uma forma patológica de existência. A pessoa cria para si um universo diferente e necessita que o outro admire esse universo, porém não permite críticas e pouco se relacionada com as necessidade daqueles que o rodeia. Vive então perdida nesse espaço de ideias e fantasias que criou para si com o intuito de proteger seu self de qualquer ataque, mantendo assim um falso equilíbrio.
A partir das reflexões de Carlene podemos compreender que as teorias da conspiração produzem uma redução da awareness, esse é um termo da Gestalt-Terapia, criado por Fritz Perls. A awareness não encontra uma palavra em português que dê a ela o mesmo sentido, por isso é usada em sua língua de origem. Podemos compreendê-la como um processo de conscientização do ser humano que leva em conta o tempo e a percepção sensível em busca de um equilíbrio. A ampliação da awareness pressupõe o contato com o outro, é necessário que esse outro frustre as minhas expectativas falsas ao mesmo tempo que acolhe os meus sentimentos nesse processo. Quando isso não acontece, ou seja, quando as expectativas não são frustradas caímos na ilusão de acreditar demasiadamente nas nossas percepções, ficamos insensíveis ao outro e cresce uma valorização patológica do self.
É normal perder um pouco da nossa sensibilização, é inevitável, estamos sempre em um processo de constante evolução em busca do equilíbrio, para isso precisamos estar atentos a nossa experiência sensível, dando a ela a confiança que ela merece e compreendendo o lugar do outro nesse processo. Um exemplo muito simples sobre o processo de dessensibilização é um relacionamento abusivo, é comum que a pessoa abusiva do relacionamento esteja sempre desacreditando a experiência sensível da outra, menosprezando a sua capacidade de compreender a situação e assim retirando dela a sua confiança em si mesma. Quando uma pessoa está em um relacionamento abusivo sua autoestima está tão abalada que passa a acreditar no que o outro fala, já que tudo o que ela consegue perceber é ruim ou errado. Pessoas abusivas tem traços fortes de personalidade narcisista, curiosamente a mesma tem uma prevalência em homens.
Podemos comparar as vítimas de relacionamentos abusivos com as pessoas que acreditam em teorias conspiracionistas, seu self está tão fragilizado que ela só encontra conforto na palavra do abusador, por isso é tão difícil romper um relacionamento deste tipo, existe uma relação de dependência muito forte. As teorias conspiracionistas nos levam a movimentos paranóides que nos fazem acreditar em uma realidade que não existe, dessa forma nos afasta de um contato mais genuíno, algo mais próprio do ser, o que pode levar então ao desenvolvimento de uma neurose. Quando o conhecimento é muito complexo é comum que nos traga angústia e, muitas vezes, nos faça questionar a nossa própria capacidade de compreensão. Fica então mais fácil acreditar em uma teoria pronta sobre a realidade.
Todos nós já acreditamos em teorias da conspiração, o problema é o quanto essa teoria invade seu espaço e pode te levar a situações complicadas, como afetar a sua saúde e de outras pessoas (movimento antivacina) ou te afastar de si mesmo, te levar a um processo de adoecimento mental.
No fim dos anos 70 houve um dos maiores suicídios coletivos da história, em Jonestown, uma comunidade cristã com princípios socialistas, o seu idealizador Jim Jones convenceu seus adeptos a ingerir um ponche envenenado, porém aqueles que não o fizeram foram mortos a tiros e facadas, foram quase 1000 pessoas, como revela a reportagem da BBC “Jonestown, 40 anos: o que levou ao maior suicídio coletivo da história” de 2018. A reportagem afirma que a história de Jonestown começou com muito sucesso, porém logo surgiram denúncias sobre comportamentos autoritários, fazendo com que a comunidade se mudasse de Indiana nos EUA para a Guiana, em meio a floresta, onde estariam afastados dos olhos de todos. Acredito que nem todos ali tinham uma consciência ativa em relação ao suicídio, mas foram levados a isso, foi o resultado de um processo de redução da awareness que infelizmente resultou em um fim trágico.
Já o movimento antivacinas traz um fator mais preocupante, segundo reportagem da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, a Organização Mundial da Saúde categorizou tal movimento como um dos 10 maiores riscos à saúde mundial. Ainda segundo a reportagem já foi possível notar no Brasil uma queda na vacinação da população, de acordo com dados do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde. Não nos surpreende que por trás desse movimento exista um mar de notícias falsas, sem embasamento científico e que alimenta uma teoria conspiracionista perigosíssima, pois não afeta somente a saúde de quem deseja não se vacinar, mas de toda a população.
Como afirma o site Casa das Aranhas, as teorias da conspiração não são de todo ruim, até podem ser necessárias. Brincando com as palavras, a vida pode ser com piração, mas não pode ser só piração. É bom distrair a cabeça e é recomendado que você procure explicações diferentes sobre o mesmo assunto, isso pode ampliar sua capacidade de raciocínio, ver os dois lados da moeda é sempre uma boa forma de compreender que nunca terá só uma possibilidade, mesmo que você escolha uma, a outra não deixa de existir ou simplesmente está errada. Michael Jackson pode ou não estar vivo, das duas formas nunca mais iremos ver ele cantar, essa teoria não muda a realidade atual, por outro lado o movimento antivacina tem mudado a realidade de uma forma negativa. Por isso é bom medir o nível da piração, como está o seu hoje?