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Os (des)limites da prática do coaching e a “vacina” de uma psicóloga

Por: Franciane Nolasco

Circula pela internet um vídeo muito interessante em que uma psicóloga e um coaching quântico são colocados para conversar. Eles não se conhecem e faz parte do encontro descobrirem qual é a profissão um do outro. Ao descobrir que a profissão dele era coaching quântico, a psicóloga se vê diante de uma preocupação que muitos psicólogos apresentam. Tanto me identifiquei com tal preocupação que decidi escrever a vocês sobre esse assunto na tentativa de prestar esclarecimentos à comunidade sobre a posição que tenho, enquanto psicóloga. 

A profissional do vídeo então, muito preocupada com o delineamento das tarefas da psicologia e os limites das tarefas possíveis para um coaching, se debruça arduamente sobre a investigação do modo como aquele profissional compreende seu trabalho. No entanto, uma dificuldade gritante logo se apresenta. Parece que o próprio coaching não conseguia explicar com clareza nem o que fazia exatamente, nem em quais conhecimentos a sua profissão se pautava. Ao fim da discussão ficou delineado que se tratava de preceitos da física quântica, embora ele não tenha dito quais exatamente.

Em um segundo momento, deparei-me com um segundo vídeo em que uma doutora em física comenta o vídeo da psicóloga e do coaching. E justamente quando o coaching fala sobre a física quântica, tudo que ali é dito encontra-se passível a desconstrução pelos estudos da doutora em física. Quer dizer, será que de fato havia uma delineamento suficientemente claro do que esse profissional faz? E mais, por que seria importante nos perguntarmos isso?

O Coaching, assim como muitas áreas das ciências, é uma prática que sempre terá por base uma teoria que dará respaldo ao fazer desse profissional. Uma vez que há muitas possibilidades teóricas, há também muitas possibilidade de práticas. Cada uma tendo estabelecido os seus limites dentro de uma determinada linha de estudo, como no exemplo do coaching do primeiro vídeo, a física quântica. Mas como essa ponte entre a teoria que dá sentido à prática se conecta ao exercício da profissão? Veremos adiante.

Num trabalho escrito por Ligia Silva, compreendemos que existem no Brasil escolas reconhecidas internacionalmente, como a Associação Brasileira de Coaching Executivo e Empresarial, Sociedade Brasileira de Coaching e Sociedade Latino-Americana de Coaching, que podem qualificar os profissionais em um alto nível de competência. Por outro lado, há um reconhecimento do próprio diretor da ICF (International Coaching Federation) de que dentro dessa comunidade há uma quantidade significativa de profissionais coachings que são completamente desqualificados, fazendo intervenções sem qualquer embasamento teórico sério e pautado por uma comunidade de coachings. Muitos são os casos em que esses profissionais ludibriam os clientes em práticas prometendo resultados falseáveis ou até mesmo cura de doenças graves, como por exemplo a depressão, discurso que deixa muitos de nós psicólogos de cabelo em pé! São inúmeros casos listados na internet em que pacientes que se tratam há anos com psicólogos e psiquiatras largam esses tratamentos a pedido do coaching para dar início a um plano com esse profissional completamente despreparado. Um exemplo da falta de limite de alguns profissionais é um caso mostrado pelo psicólogo administrador da página “Dicas anti-coach” em que uma coaching com uma formação precária aceita atender uma paciente infantil com sintomas de esquizofrenia. Também há casos em que uma técnica mal empregada desencadeia um processo de sofrimento no cliente que o profissional coaching não necessariamente está preparado para oferecer um tratamento. 

Ligia Silva comenta em sua pesquisa que essa brecha é deixada por esses profissionais justamente porque há poucas pesquisas desenvolvidas dentro da academia que definem a profissão de forma que profissionais desqualificados não consigam penetrar nesse meio. A falta de regulamentação e requisitos claros para assumir a profissão também corroboram para isso. O que faz muitos se perguntarem, inclusive, se o coaching é de fato uma profissão. Como foi dito, é muito comum o coaching ter um background em alguma área com a qual ele faz um ponte de comunicação. As áreas para tal ponte mais comuns são administração, treinamento de pessoas, desenvolvimento, educação, aconselhamento e psicologia do esporte. A questão que Ligia levanta, entretanto, é que a falta de aprofundamento nessas áreas por parte dos profissionais (até mesmo os qualificados) pode levar a comunicações prejudicadas e práticas sem efeito e propósito. Diante de tantas divergências, quais são os critérios que alguém que contrata esse serviço poderiam ter para gerar a confiabilidade necessária para uma prática segura?

Falando especificamente sobre o momento em que a psicologia e o coaching se aproximam, Ligia comenta sobre como essa intersecção está delineada para o fim do gerenciamento do indivíduo de seus recursos internos e externos para o objetivo único de atingir metas. Como, por exemplo, um profissional dentro de uma empresa que recebe um treinamento para "subir" de função. Dentro desse contexto, em geral os mecanismos que o profissional coaching acaba apropriando da psicologia se referem aos que contribuem para a autorregulação do indivíduo. Em outras palavras, como as emoções, a cognição e o comportamento influenciam no alcance de metas. 

Há também situações em que psicólogos se apropriam da ferramenta do coaching para usarem dentro do processo da psicologia organizacional no treinamento de pessoas dentro da gestão humana. Essa apropriação é feita com base nos preceitos do código de ética que rege o exercício da psicologia, sendo que se trata de uma ferramenta utilizada dentro de um contexto maior que engloba um processo de trabalho envolvendo não apenas a aplicação da ferramenta mas o uso de outras técnicas muito mais complexas, interpretações, análise de resultados, embasamento teórico reconhecido pela comunidade acadêmica, além de leitura crítica de sociedade e cultura. Tudo isso advindo de um conhecimento adquirido por um longo processo de anos de estudo dentro de uma academia e de experiências de trabalho. Além disso, um divisor de águas importantíssimo de ser grifado é o fato de que o código de ética da psicologia proíbe qualquer psicólogo de fazer propaganda prometendo resultados, bem como de exercer qualquer imposição ideológica ao seu cliente. Isso não é uma falha da profissão! O comprometimento com a saúde mental e os direitos humanos é um dos deveres para com a sociedade que todo e qualquer psicólogo deve prezar em qualquer que seja sua prática. 

Dentro desse contexto, há um limite muito claro de apropriação e comunicação entre a área de coaching e psicologia que não deve ser ultrapassado. Nenhum conhecimento da psicologia pode ser apropriado por esse profissional, por exemplo, para tratamento de doenças como depressão, ansiedade e transtorno do pânico. Pois nesse casos, os profissionais qualificados e formados para atender a essa demanda serão sempre os psicólogos e os psiquiatras em trabalho conjunto quando necessário. E você, conhece algum caso de envolvimento bem ou mal sucedido com um profissional coaching? Comenta aqui pra gente!

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